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O crescimento no volume de ações fabricadas
jul 20, 2021

O crescimento no volume de ações fabricadas

Trabalhar com o direito do consumidor é sempre um desafio que se torna ainda mais provocador quando se atua em defesa de pessoas jurídicas. A máxima de que as empresas devem ser responsabilizadas a todo e qualquer custo se sobrepõe a qualquer tese de mérito, e dificulta a atuação dos advogados.

Nos últimos anos pode-se dizer com firmeza que desde a chegada dos processos digitais, temos nos deparado com uma situação ainda mais infeliz, que salta aos olhos principalmente em nossos Juizados Especiais, que é a propositura de ações infundadas.

Como é sabido, regulamentado pela Lei 9.099/95, os Juizados Especiais dispensam o recolhimento de custas judiciais sob o princípio de livre acesso à justiça, no entanto o que se tem observado é a completa distorção deste princípio quando utilizado como uma espécie de loteria das ações.

Nesse ciclo quase que vicioso, as ações são propostas em uma espécie de “vai que cola”, onde se tem minimamente os fatos, mas certamente nenhum direito, ou melhor, nenhuma razão de existir.

As ações são propostas em lote, sob os mesmos fundamentos, causa de pedir e pedidos, mas sem a ocorrência de litispendência já que os Autores são sempre distintos. São literalmente cópias umas das outras, sem qualquer esforço por parte dos proponentes sabendo que, no fim, o julgamento improcedente, ou mesmo da extinção sem o julgamento do mérito, não lhe trará qualquer ônus já que a Lei do Juizado veda a condenação do vencido em custas e honorários (artigo 55, Lei 9.099/95), ao menos em primeira instância.

O que chama atenção é que em 100% das experiências enfrentadas por este escritório em face de casos como estes, é que as ações foram patrocinadas por advogados, sendo certo que o Juizado Especial dispensa, mas não veda, a atuação destes.

Em sua grande maioria as ações se prestam a “limpar o nome” dos demandantes, requerendo a declaração de inexigibilidade do débito sob o fundamento que desconhecem a dívida, bem como uma indenização pelos danos morais em quantias sempre exorbitantes, em média o pleito é de R$ 15.000,00 (quinze mil reais).

Ocorre que os demandantes possuem relação com as empresas, contraíram o débito, e a cobrança é legítima. Daí porque o termo que vem sendo utilizado é “demanda fabricada”.

Portanto, temos que essa “loteria de ações” vem sendo patrocinada por advogados que, ao invés de atuarem na manutenção da justiça, operam em favor da manutenção de seu próprio ganho com o ajuizamento de “demandas fabricadas”.

Os advogados atuam na captação de clientela em massa, por todo o Brasil, lucrando com o volume, e não com a qualidade da ação proposta, fato que, na imensa maioria das vezes, os levam a propor ações infundadas, sem qualquer razão de pedir. 

Essa captação de clientela ocorre das mais variadas e absurdas formas que vão desde mensagens por SMS ou através de aplicativos, à faixas e panfletos distribuídos na rua, atos que, logo de início, fere o Código de Ética da OAB posto que claramente não são meramente informativos e possuem como objetivo a captação da clientela.

Em alguns estados, o volume de ações “fabricadas” foi tamanho que chamou a atenção dos juizados. No Rio Grande do Norte, por exemplo, o Centro de Inteligência do Juizados Especiais elaborou a Nota Técnica número 01 denominada: “Causas Repetitivas: Litigância agressora e demandas fabricadas”, sob relatoria do Juiz Paulo Luciano Maia Marques.

Em seu brilhante relatório, o Juiz Paulo Luciano ressalta a função do Juizado Especial, enfatizando que cumpriram muito bem o papel pelo qual foram criados, permitindo que as camadas mais populares da sociedade tivessem acesso à justiça, e demonstrou excelentes resultados na solução mais ágil dos litígios. No entanto asseverou que com o passar dos anos o sucesso dos Juizados levou à uma crescente demanda, que inclui as demandas agressoras e as causas que chama de “fabricadas”.

O magistrado prossegue, ainda, afirmando que este tipo de litígio transforma os Juizados Especiais em um “cassino gratuito, onde não se paga nada e de onde pode se obter um ganho considerável, em razão do número elevado de pessoas que são recrutadas por meio de captadores locais da clientela”.

O relatório ressalta, também, que tão logo estas causas tenham uma decisão favorável, se replicam às demais, levando as empresas a firmarem acordos, ainda que não se tenha plausibilidade do direito, isso para evitar novas condenações em valores superior, é o caráter punitivo e pedagógico das condenações, aqui também aplicado de forma arbitrária.

Fato é que todo esse cenário pavoroso abarrota o Poder Judiciário e precisa ser combatido, sob pena de perda de credibilidade de todo o sistema.

No combate a tais práticas este escritório vem atuando fortemente na demonstração deste cenário e alertando para a conduta de má-fé, conseguindo resultados importantes. No entanto, os Juizados têm reconhecido a má-fé dos Autores, e não de seus patronos, fato que não impede ou minimamente assusta os advogados que compõem essa corja.

Segundo o Código de Processo Civil em seu artigo 79, responde por perdas e danos aquele que litigar de má-fé atuando como autor, réu ou ainda como interveniente, onde se enquadram os patronos destas ações, já que possuem interesse direto na sentença procedente para que possuam lucrar com o êxito das ações.

Neste cenário, litigam de má-fé ao deduzirem pretensão contra fato incontroverso, alterando a verdade dos fatos e usando do processo para conseguir objetivo ilegal (artigo 80, CPC). Portanto, suas condutas são passíveis de condenação em multa com o intuito de indenizar a parte contrária pelos prejuízos sofridos e arcar com os honorários advocatícios e despesas despendidas.

A multa por litigância de má-fé, inclusive, é exceção à regra de que não há condenação de custas e honorários em sentença de primeiro grau no Juizado Especial, reconhecido pelo FONAJE nos Enunciados 114 e 136, vejamos:

ENUNCIADO 114 – A gratuidade da justiça não abrange o valor devido em condenação por litigância de má-fé (XX Encontro – São Paulo/SP).

ENUNCIADO 136 – O reconhecimento da litigância de má-fé poderá implicar em condenação ao pagamento de custas, honorários de advogado, multa e indenização nos termos dos artigos 55, caput, da lei 9.099/95 e 18 do Código de Processo Civil (XXVII Encontro – Palmas/TO).

Ainda assim há relutância dos Juizados em estender a condenação aos patronos, fato que precisa ser reavaliado.

Sendo indispensável, também, elevar este assunto aos órgãos competentes, com séria e necessária intervenção da Ordem dos Advogados do Brasil considerando que, além de litigarem de má-fé, cometem infração disciplinar definida no Estatuto da OAB (Lei 8.906/94) na medida em que valem se dos processos para obter lucros com a participação nos honorários a receber, bem como captam causas com a intervenção de terceiros (art. 34).

E não só isso, é possível verificar em alguns casos que os honorários advocatícios são convencionados com os demandantes em até 50% sobre o êxito, o que já foi configurado como abusivo pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil2 posto que ferem o Código de Ética da OAB 9art. 38).

A quem defenda, ainda, a análise destes casos sob a ótica do Código Penal com a associação da conduta ao crime de associação criminosa, na forma do artigo 288 (Lei 2.848/40), ou de organização criminosa prevista no artigo 1º, § 1º, e seguintes da Lei nº 12.850/13.

Fato é que neste cenário se mostra imprescindível a rigidez na análise destas ações por parte dos magistrados a fim de dissipar a máxima de que a empresa deva ser responsabilizada a qualquer custo, associado a necessária intervenção do Poder Judiciário e da Ordem dos Advogados do Brasil com a penalização desta conduta por parte dos patronos e, ainda, com a disponibilização de ferramentas aos Tribunais para que possam analisar e identificar os litigantes contumazes.

1 STJ. Terceira Turma. REsp 1731096. Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, julgado em, 11/05/2018.

2 CFOAB. RECURSO N. 49.0000.2017.006251-2/SCA-STU. Relator: Conselheiro Federal Eliseu Marques de Oliveira. EMENTA N. 031/2018/SCA-STU. DOU, S.1, 06.03.2018, p. 76.

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