FIQUE POR DENTRO DE TUDO QUE

Acontece

STJ reafirma necessidade de procedimento junto ao INPI para reconhecimento de marca de alto renome
ago 27, 2021

STJ reafirma necessidade de procedimento junto ao INPI para reconhecimento de marca de alto renome

Por: Eduardo Mantovaninni Dias.

Apresentação:

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), em recente decisão proferida pela Segunda Seção, na ação rescisória nº. 4.623/MG, reafirmou a necessidade de procedimento administrativo junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) para reconhecimento de marca de alto renome.

A ação foi proposta contra acórdão da Terceira Turma do STJ que negava pedido de proteção especial à marca VISA. Na origem, tratava-se de ação de abstenção de uso da marca VISA LATICÍNIOS proposta contra a Indústria de Laticínios Pauliminas Ltda.

Nosso advogado de contencioso de marcas, Eduardo Mantovaninni Dias, analisa essa decisão e comenta os seus aspectos processuais e materiais.

Reconhecimento de Marca de Alto Renome

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), em recente decisão, reafirmou a necessidade de procedimento administrativo junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) para reconhecimento de marca de alto renome.

A decisão do STJ foi proferida pela Segunda Seção no âmbito da ação rescisória nº. 4.623/MG proposta por Visa International Service Association e Visa do Brasil Empreendimentos Ltda. (Grupo Visa) contra acórdão da Terceira Turma que negou pedido de proteção especial à marca VISA, em razão da ausência de procedimento administrativo perante o INPI para reconhecimento de marca de alto renome.

A ação tinha por objeto a rescisão do acórdão proferido pela Terceira Turma, no recurso especial nº 951.583/MG, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, “por ter violado literal disposição de lei quando exigiu, para a proteção especial à sua marca, a renovação do registro como ‘marca notória’, nos termos do art. 67 da Lei 5.772/71, ignorando que o art. 233 da Lei 9.279/96 proibiu expressamente a prorrogação de registros com esse status”.

Segundo o Grupo Visa, “o acórdão rescindendo foi fundado em erro de fato, uma vez que, por um equívoco do Tribunal de origem, os autos subiram desacompanhados dos documentos necessários para a apreciação do pedido e, em razão de tal equívoco, foram ignorados documentos constantes dos autos originários (…) que demonstram o alto renome da sua marca, nos quais o INPI veio a indeferir o registro da marca Visa por terceiros, com base no art. 125 da Lei 9.279/96”.

Origem

Na origem, o Grupo Visa propôs ação contra Indústria de Laticínios Pauliminas Ltda., para que esta se abstivesse de usar a marca VISA LATICÍNIOS ou quaisquer variações da marca de alto renome VISA.

No julgamento do recurso especial, a Terceira Turma do STJ concluiu pela possibilidade de convivência de ambas as marcas, por não verificar risco de confusão entre os consumidores quanto à origem dos produtos ou serviços. Na ação rescisória, a empresa foi citada por edital e não apresentou contestação.

A Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais foi nomeada curadora especial, apresentando contestação e requerendo a improcedência da ação.

Por unanimidade de votos, a ação rescisória foi julgada improcedente.

Aspecto Processual

No aspecto processual, não se reconheceu o erro de fato apontado. Segundo o voto condutor, de relatoria da Ministra Isabel Gallotti, “o erro de fato que dá ensejo à ação rescisória deve ser apurado com base nos documentos efetivamente constantes dos autos quando do julgamento proferido pelo acórdão rescindendo (CPC/73, art. 485, IX)”. Além disso, impõe que “não tenha havido controvérsia, nem pronunciamento judicial sobre o fato (CPC/73, art. 485, §2º)”.

As hipóteses de cabimento da ação rescisória são taxativas. Isso faz com que essa via processual seja bastante restrita, mais ainda no caso de erro de fato. Mesmo porque, na lição de Humberto Theodoro Júnior, sob a égide do Código de Processo Civil de 1973, “a rescisória não é remédio próprio para verificação do acerto ou da injustiça da decisão judicial, nem tampouco meio de reconstituição de fatos ou provas deficientemente expostos e apreciados em processo findo” (Curso de Direito Processual Civil. – Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 623. 1. v.).

Haverá erro de fato sempre que a decisão rescindenda “admitir um fato inexistente, ou quando considerar inexistente um fato efetivamente ocorrido” (CPC/73, art. 485, § 1º).

Ainda na lição de Humberto Theodoro Júnior, disso decorre que (i) o erro deve ser a causa da conclusão da decisão rescindenda; (ii) deve ser apurável mediante simples exame das peças do processo; e (iii) não pode ter havido controvérsia, nem pronunciamento judicial sobre o fato.

A atual legislação processual traz a mesma disposição, mantendo, inclusive, a condição de admissibilidade na hipótese de erro de fato, ou seja, que “o fato não represente ponto controvertido sobre o qual o juiz deveria ter se pronunciado” (CPC, art. 966, § 1º).

Segundo consta do acórdão, o documento no qual recairia a análise “não estava juntado aos autos”, o que impede que o erro seja constatado pelo simples exame do processo. Não bastasse isso, “houve expressa manifestação quanto ao fato no acórdão rescindendo”, o que também impede a admissibilidade da rescisória, justamente por não ser terreno fértil para se investigar o acerto ou desacerto da decisão. Por essas razões, do ponto de vista processual, a ação foi julgada improcedente.

Aspecto Material

No aspecto material, não se reconheceu a violação ao artigo 233, da Lei nº. 9.279/96 (Lei da Propriedade Industrial – LPI). Esse dispositivo prevê que os “pedidos de registro (…) de declaração de notoriedade serão definitivamente arquivados e os registros e declaração permanecerão em vigor pelo prazo de vigência restante, não podendo ser prorrogados”.

Ou seja, apenas os registros já concedidos e as declarações de notoriedade permaneceram em vigor pelo prazo legal (10 anos), vedada a prorrogação. Após esse prazo ou durante a sua vigência, caberia ao interessado obter o reconhecimento do alto renome pelo INPI, que é o órgão competente para o exame de mérito.

Assim, que a marca VISA é amplamente conhecida no segmento de crédito, ninguém questiona. O ponto é saber se essa marca receberia proteção especial em todos os ramos de atividade, nos termos do art. 125 da LPI, sem procedimento específico, pelo só fato de receber essa proteção sob a égide da legislação anterior.

Esclareça-se que a expressão “marca notória”, tratada no art. 67, da Lei nº. 5.772/71, equivale atualmente à marca de alto renome. E justamente por receber proteção especial, deve-se ter um cuidado maior na sua análise e no seu reconhecimento.

No caso em exame, o ponto central do acórdão rescindendo foi “o fato de não haver renovação da marca notória e de não ter havido, à época, o reconhecimento de marca de alto renome em favor da autora”.

LPI

Vale dizer, com a entrada em vigor da LPI, a marca notória vigoraria até o término do prazo, vedada a prorrogação, por expressa determinação legal. E caso o interessado quisesse obter o reconhecimento da marca como de alto renome, deveria promover, conforme decisão do STJ, o procedimento administrativo perante o INPI, “nos termos do art. 125 da lei 9.279/96, da Resolução INPI/PR nº 107/2013 e anteriores, bem como do Manual de Marcas do INPI (item 2.4.2 Especialidade)”.

Consta da decisão analisada que o Grupo Visa pretendia que o reconhecimento da marca VISA passasse “automaticamente a viger segundo a nova disciplina do ‘alto renome’”. Ocorre, porém, que não houve apenas uma mudança de nomenclatura, mas também de procedimento. A legislação anterior fazia uma ressalva que não foi reproduzida na atual LPI.

Previa-se que a marca notória teria a proteção especial para impedir o registro de outra marca imitativa desde que houvesse “possibilidade de confusão quanto à origem dos produtos, mercadorias ou serviços, ou ainda prejuízo para a reputação da marca” (Lei nº. 5.772/71, art. 67).

A proteção concedida atualmente para a marca de alto renome é muito mais ampla, pois afeta “todos os ramos de atividade”, independente da possibilidade ou não de confusão ou de prejuízo à reputação que, aliás, se presumem. A maior amplitude de proteção é decorrência do elevado grau de reconhecimento (ou distintividade) que a marca tem no mercado, seja qual for o ramo de atividade e antes mesmo da sua submissão a exame do INPI.

Isso levou o STJ a considerar duas situações possíveis: (i) ou o alto renome seria tratado “como mera continuidade do instituto anterior da marca notória”, mantendo-se os requisitos da legislação revogada para a concessão de proteção especial; ou (ii) o alto renome seria tratado “como novo instituto com amplitude absoluta que não existia anteriormente”, exigindo-se novo registro específico.

Acabou por prevalecer o entendimento de que “o reconhecimento do alto renome exige procedimento específico”, conforme precedentes do próprio STJ (REsp nº. 716.179/RS, 4ª T., rel. Min. João Otávio de Noronha; REsp nº. 1.162.281/RJ, 3ª T., rel. Min. Nancy Andrighi). Do contrário, “a lei nova certamente não impediria a prorrogação e faria a ressalva de que as marcas notórias passariam a viger na prorrogação com o estatuto de marcas de alto renome”.

Importante registrar que os efeitos desse reconhecimento são sempre prospectivos, nunca retroativos, como já decidido pelo STJ (REsp nº. 1.582.179/PR, 3ª T., rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva; REsp nº. 1.799.164/RJ, 3ª T., rel. Min. Nancy Andrighi).

Conclusão

A conclusão unânime da Segunda Seção foi que “a interpretação do mencionado art. 233 da Lei 9.279/96 aponta para a convivência, durante o período de transição, dos dois institutos, da marca notória e da marca de alto renome, cada qual com seu grau de proteção conforme estabelecido pela Lei que regula a concessão do referido status”, razão pela qual, do ponto de vista material, a ação foi julgada improcedente.

Portanto, sem adentrarmos nos aspectos processuais do caso, extraímos da decisão analisada as seguintes conclusões relativas ao direito material: (i) a proteção especial de uma marca notória, assim reconhecida na legislação anterior, permanece vigente durante o prazo legal, vedada a sua prorrogação após o advento da LPI; (ii) a proteção especial de uma marca de alto renome, nos termos da legislação vigente, não é automática e depende de procedimento específico perante o INPI, para o seu reconhecimento; (iii) os dois institutos de proteção previstos na legislação anterior e na atual são independentes entre si e coexistentes, cada qual com o seu grau de proteção; e (iv) o reconhecimento de uma marca de alto renome depende de iniciativa do interessado em obter pronunciamento do INPI, órgão competente para análise de mérito do pedido.

Compartilhe
Cadastre-se em nossa newsletter
e fique por dentro das novidades