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A Lei do Bem e os Incentivos à Inovação
dez 10, 2019

A Lei do Bem e os Incentivos à Inovação

Por: Michele Severino, Advogada especializada em Propriedade Intelectual e Direito Tributário.

Diferente de outras áreas, o incentivo fiscal à inovação no Brasil foi pensado antes do boom tecnológico e do advento de novos modelos de negócio como as startups, fintechs e outros paradigmas disruptivos.

Estes incentivos são instrumentos adotados em diversos países para estimular a Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação, geração de empregos, redução de riscos inerentes ao setor e a competitividade.

Sancionada em 2005 pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a Lei 11.196, conhecida como  “Lei do Bem” outrora fruída apenas pelas gigantes do mercado, hoje tem se tornado realidade para empresas de menor porte que visam a pesquisa e inovação.

De acordo com dados da OCDE[1] entre 2006 e 2016 os valores de incentivo para a pesquisa e desenvolvimento aumentaram de forma significativa, com pico em 2008, ou seja, foi um instrumento importante num momento de grande queda da atividade econômica mundial, demonstrando que, na verdade, o bom desempenho do Brasil na crise de 2008 não esteve ligado apenas ao boom das comodities, mas ao fato do país estar verdadeiramente alinhado ao fluxo da Inovação.

Em 2006, primeiro ano de utilização dos incentivos da Lei do Bem, os gastos na área de Pesquisa de Desenvolvimento por parte das empresas, representava cerca 0,09% do PIB, enquanto no ano de 2012 tais gastos representaram cerca 0,12% do PIB brasileiro. Em termos de recebimento de formulários houve um crescimento aproximado de 700%[2].

A Lei do Bem é um estímulo que abarca todos setores da economia e é fundamental para sustentar o desenvolvimento da capacidade técnica e o aumento do valor agregado de bens e serviços, assim, utiliza-se deste mecanismo para incentivar investimentos em inovação por parte do setor privado, bem como buscar aproximação entre as empresas e as universidades e institutos de pesquisa.

Assim, a Lei do Bem tornou real, no Brasil, a Tripla Hélice[3] – teoria de Henry Etzkowitz[4] e Loet Leydesdorff[5]sobre as novas dinâmicas em que as interações universidade-indústria-governo formam uma “tripla hélice” de inovação e empreendedorismo, considerada chave para o crescimento econômico e o desenvolvimento social baseados no conhecimento.

 

Quem pode?

 A Lei do Bem é destinada às empresas que se enquadram nos seguintes critérios:

– Empresas que invistam em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação – PD&I;

– Empresas com Regime de Lucro Real;

– Empresas com Lucro Fiscal;

– Empresas com regularidade fiscal.

Uma das críticas recorrentes ao incentivo é o alcance somente para empresas optantes pela apuração do IRPJ na forma do Lucro Real, não incentivando assim as optantes pelo Lucro Presumido.

No Lucro Real, o lucro é obtido por um cálculo do resultado real do negócio, ou seja, a empresa precisa registrar todas as suas despesas e custos para deduzi-las de sua receita e encontrar o valor do lucro gerado. No Lucro Presumido, a base de cálculo e as alíquotas são facilitadas, ou seja, não existe uma apuração exata do lucro o que limita a aplicação dos incentivos.

Em 2012, por exemplo, a quantidade de empresas que optavam por Lucro Real era de pouco mais de 3%[6] – ocorre que esta modalidade é mais burocrática e gera diversas obrigações tributárias acessórias, exigindo rigoroso controle contábil.

A despeito da existência de tal requisito, a Lei contempla outros incentivos aplicáveis aos outros regimes tributários:

  1. redução de 50% do IPI incidente sobre máquinas e equipamentos utilizados para inovação;
  2. redução a zero do IRRF incidente sobre remessas ao exterior para manutenção de marcas, patentes e cultivares;
  3. dedução como despesas operacionais as importâncias transferidas a microempresas e empresas de pequeno porte destinadas à execução de pesquisa tecnológica e de desenvolvimento de inovação tecnológica de interesse;

Cabe ressaltar que, diferente de outros incentivos fiscais setoriais, destinados ao setor de energia[7] e informática[8], por exemplo, a Lei do Bem é aplicável nos mais diversos segmentos da economia.

Outro aspecto positivo é que sua aplicação é automática, ou seja, para enquadramento não é necessária pré-aprovação governamental, nem a apresentação de um projeto e/ou pedido de autorização, bastando que a empresa tenha os controles de seus projetos de inovação, bem como os gastos a eles aplicados.

 

Os desafios

O conceito de Pesquisa e Desenvolvimento de Inovação Tecnológica é amplo e hodiernamente tem sido utilizado sem cautela, contudo, para os fins da Lei do Bem o Decreto 5798/06 regula e delimita o alcance da Lei do Bem para:

  1. pesquisa básica dirigida;
  2. pesquisa aplicada;
  3. desenvolvimento experimental;
  4. tecnologia industrial básica;
  5. serviços de apoio técnico.

O conceito de inovação tecnológica para a fruição da Lei do Bem não pressupõe a introdução de um novo produto ou processo no mercado, mas contempla também as inovações que ocorram no ambiente interno das empresas.

As dificuldades em sua aplicação estão na comprovação da realização das atividades de PD&D e na ausência de controles adequados para ter segurança na aplicação dos incentivos.

As práticas e procedimentos internos para aplicabilidade da Lei do Bem podem variar muito em decorrência do porte e da área de atuação da empresa, contudo é importante ter:

– Processos internos claros e estruturados que delineiem os projetos de cunho inovador e delimite as barreiras tecnológicas inerentes ao seu negócio;

– Enquadramento das atividades que podem ser classificadas como despesas operacionais de P&DI;

– Estudo tributário;

– Rotina de envio das documentações pertinentes ao MCTIC (Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações) até 31 de julho do ano posterior ao dos benefícios;

– Rotina organizacional que permita auditorias e rastreamento das atividades, resultados e documentações.

Fica claro, portanto, que para fruir dos benefícios oferecidos pela Lei do Bem pode ser necessária uma grande reestruturação e planejamento empresarial, mas os aspectos positivos podem suplantar os dispêndios em vista da transparência e rastreabilidade dos desafios e processos internos.

 

[1] https://www.oecd.org/sti/rd-tax-stats-brazil.pdf

[2] https://www.mctic.gov.br/mctic/opencms/tecnologia/incentivo_desenvolvimento/lei_bem/Lei_do_Bem.html

[3] https://triplehelix.stanford.edu/3helix_concept

[4] https://www.linkedin.com/in/henryetz/

[5] https://www.linkedin.com/in/loet-leydesdorff-08189b5/?originalSubdomain=nl

[6] http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/5714/1/Radar_n41_tributa%C3%A7%C3%A3o.pdf

[7] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9991.htm

[8] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8248.htm

 

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